quarta-feira, 21 de maio de 2008

Robert Morris - Regret

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Hoje abri a carta.

Cara amiga,
De Deus não sei, há muito que não nos falamos. Mas sei de promessas. E bem sei dessa estupidez cega que é a espera de sua encarnação.
Sonho não devien. Tampouco promessas.
Têm um "q" de supraterreno. Pertencem à uma ordem atemporal, à uma realidade flutuante que não pode e não deve tocar nosso fluxo de perecimento: esmaga, entorta, deforma ao denunciar o vazio de fundamento. Obra de uma metafísica desvairada? Talvez...
Estamos condenadas a essa eternidade sôfrega, aleijada, marcada pelo não: não ser, não estar, não ter. Esse é nosso lar: o da carne que apodrece, dos olhos cegos, dos murmúrios inaudíveis

Não há junto, não há unidade.
Só há possibilidade de achegamento, toque (eis aonde reside o divino) . E as tais promessas, como estrelas distantes de impossível aconchego. Pelas quais só podemos (sempre) esperar.

Espero ter respondido sua dúvida.

Att.

terça-feira, 6 de maio de 2008

-Você é a paciente das três?
-Aham.
-Olha querida, o Dr ainda não chegou mas já está vindo. Você aguarda uns minutinhos?
-Claro! (assim mesmo, com ponto de exclamação. Afinal, eu sou boazinha, simpática, compreensiva, uma "fofa", tudo que enoja).

Sentei na cadeira. Puta. Esse cara sempre atrasa. E tem que ser logo o quê? oftalmologista! Só pq eu morro de nervoso que mexam no meu olho. Qual será o livro dessa bolsa? O Aleph. Ótimo.Quem sabe eu consigo me transferir, durante essa agoniante suspensão temporal em bancos de couro cinza, para a genialidade alheia.

-Oi, eu tô marcada pras quinze e vinte.
-Pois não, senhora. O doutor está atrasado, mas já está chegando.

Aham, sei... Aí senta a criatura na minha frente. E eu não consigo não reparar em gente feia, e era muito feia essa. Meu corpo dá uma tremidinha pelo nojo da brusca mudança da divindade borgiana para a velha-loura-laqueada (se de laquê, ou de pato, tanto faz, ambos cabem).

A ânsia de ver os Imortais, de tocar a Cidade sobre-humana... ó, minha filha você não sabe o que me aconteceu hoje, o susto que acabei de levar...escolhi a mais pública das horas, o declínio da tarde... pois eu tava girando a roleta... menos para suplicar o divino que para intimidar a tribo... o trocador nem me segurou... Atravessei o riacho obstruído pelos bancos de areia e me dirigi.. as pessoas hoje em dia

PUTA QUEO PARIU! Velha escrota, não cala a boca. Cala a porra da boca! Foda-se a sua merda de dia imbecil, se vc quer me atirar na sua podridão de humanidade, nessa lama nojenta eu que EU JÁ SEI q é a vida, levanta dessa cadeira e diz logo na minha cara. BERRA!!
Não fica aí sentadinha com esse cabelo-peruca e essa roupa floral, despejando o asco da existência em cima de mim, me tirando da minha sublime fuga, e fingindo ser velhinha e boazinha. EU posso fingir ser boazinha, pq mesmo quando escrevo isso, ainda reside algo de gracioso na minha raiva pq tenho 23 anos e não 70. O dia que tiver 70... o dia q meus peitos caírem me mato!
Levanto o olhar das páginas que já não ecoam nada. Quando olho pra frente, a secretária não estava alí; a velha estava falando comigo! Comigo!
Volto pro Borges o mais rápido possível: quando era pequena minha avó me ensinou que se eu visse um fantasma, tinha que desviar o olhar e começar a rezar imediatamente. Ok, vovó: afirmei-que-a-cidade-estava-construída- sobre-uma-meseta-de-pedra. Essa-meseta-comparável-a-uma-escarpa-não-era-menos-árdua-que-os-muros. E aí eu bati com a cabeça (devia ter morrido logo). Nossa, e fez um galo. Cara, na boa, o q é isso? Carência? Aí o trocador levantou. Não, isso é falta de amor próprio, pq só temos nós duas nessa sala e eu estou com um livro enfiado na cara e ela não pára de falar!
Ai que enjôo, que vontade de vomitar. Hum, esqueci de almoçar, deve ser fome. Queria que não fosse, queria vomitar nela, pra que ela se visse saindo pela minha goela.

-Srta das 3h, o doutor vai recebê-la.

Graças a Deus, santo médico, me tira desse purgatório, me devolve ao Borges. Pode até cutucar meu olho, pode até pingar colírio que arde, faz o que quiser, só me tira desse discurso de suprema decadência, da frente dessa velha encarquilhada que teima em esfregar minha cara nessa poça de lama que não se vê o fundo, e eu berrando e ela me afogando, por favorrr.

-Queriiida (é, meu oftalmologista é bicha - ou mineiro) o q houve?
-Perdi minha receita pro grau novo, estou enrolando pra voltar aqui e pegar uma nova há quase um mês.
-E porque demorou tanto? Você deve estar enxergando muito mal ..
- Não enxergo nada doutor... - há algum tempo estou com os olhos sujos de lama.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Escrever é determinar minha morte:
dia, hora local. Meu cume de des-espero.

Se fecho os olhos, fico.. por isso abro o espaço entre as cartilagens dos dedos:
para sentir meu não estar, tão-minha falta de eu,
e não me afogar na doce, mas logo enjoativa, piscina de pretensa identidade - delimitada por bordas de desejo
(ou como as percebo por trás da retina: bodas de chocolate ou sexo)..